16.5.09

Vencedores: Bolsas e Washington

Implicações internacionais, in a nutshell: Comunistas fora do governo, vitória esmagadora do Congresso. A Sensex de Bombaim em alta. Washington respira de alívio. A Índia manterá o seu percurso estratégico-económico.

No seu lugar

Onde está a tão badalada Terceira Frente? E a Quarta? Em terceiro e quartos lugares, respectivamente. Reduzidas à insignificância que era óbvia num sistema crescentemente bipolar.

Fast and furious

Os resultados provisórios apontam para uma vitória histórica do Congresso. Se conseguir garantir mais de 150 mandatos, será o melhor resultado desde 1991, quando abraçou a agenda de reformas de mercado e a Índia se abriu ao mundo. Singh e Cia. conseguem estancar a erosão do mais antigo partido indiano.

E chegará a coligação pré-eleitoral da UPA à maioria absoluta (272)? Está a menos de 20 mandatos de o garantir, o que é uma ninharia num parlamento em que abundam pequenos partidos regionais e deputados independentes prontos para apoiarem a coligação em troca de uma ou outra contrapartida local/regional ou umas malinhas de Rupias.

Parece que afinal não vamos assistir a longas e complexas negociações pós-eleitorais. A única questão agora é se Rahul Gandhi assume ou não uma pasta ministerial importante. Tudo aponta para que a UPA mantenha a sua estratégia - Singh, o burocarata, como PM, e Sonia Gandhi a tratar das pastas mais políticas nos bastidores. Over and out.

Derrota nuclear

Onde está a Esquerda? Desceu de mais de 50 para cerca de 20 mandatos. Está a pagar um preço alto pela sua retirada precipitada da coligação governamental UPA, em 2008, por ocasião da assinatura do acordo de cooperação nuclear com os Estados Unidos. Mas também pela sua política esquizofrénica em relação às reformas económicas - com uma retória violentamente contra e uma prática muitas vezes abertamente favorável.

O Senhor Karat e Cia. vão ter que rever a sua estratégia, começendo pelo abc... ou 123?

Em vídeo

Acompanhe as eleições da maior democracia do mundo, em directo, com cores e em vídeo aqui, na CNN-IBN.

Atribuir vitórias

Atribuir e reivindicar pessoalmente vitórias é um dos past-times favoritos dos políticos indianos. O Congresso pode vir a ganhar com maioria absoluta, mas atribuir a vitória a Rahul Gandhi (ainda por cima por uma agência noticiosa governamental) é como atribuir a culpa pelo mau tempo ao preço do pão. Não há causalidade nem correlação.

O Congresso melhorou significativamente o seu desempenho no Utar Pradexe, mas foi principalmente pelo fraco desempenho do BSP de Mayawati, e não por mérito próprio ou do herdeiro dinástico.

Portugal dorme

Estive esta manhã no Rádio Clube Português a comentar sobre... a visita presidencial à Turquia. Depois lembraram-se ainda de gravar um comentário sobre a Índia. A comunicação social portuguesa, tal como Portugal inteiro, ainda dorme. Segunda-feira, ao acordar, lembrar-se-ão de incluir uma ou outra nota sobre a "longínqua e exótica" Índia.

Update, 12:33: não podia ser mais simbólico - anunciam-se os resultados da maior democracia indiana e forma-se um novo governo em Nova Deli, uma das quatro capitais mais importantes do século XXI mas, enquanto isso, a TSF passa um programa sobre a Goa quinhentista e a expansão portuguesa na Índia.

Sardinha ganha Goa

O Sr. Cosme Francisco Caitano Sardinha (Congresso) é indicado no site oficial como o primeiro vencedor dos 542 mandatos em jogo. Venceu um dos dois círculos (Sul de Goa) com que Goa é representada no Parlamento nacional. O seu rival Churchill Braz Alemão, embora não tenha sido candidato, é o grande derrotado.

É caso para dizer que Sardinha vai para Deli e Alemão fica em Goa.

Hold your horses

Atenção à diferença entre WIN (vitória oficial declarada) e LEAD (liderança com resultados parciais). Poderá haver ainda muitas reviravoltas. E cuidado à diferença UPA / Congresso. O Congresso não ganhou 255 mandatos até agora. Nem a sua coligação UPA. Simplesmente, a UPA lidera em 255 círculos, tendo o Congresso ganho 76 mandatos.

Results expected anytime

Mesmo com o voto integralmente electrónico, a Índia consegue demorar mais tempo a contá-los e anunciar resultados do que o nosso arcaico sistema em papel.

Singh is King again?

Tudo possível... mas afigura-se uma avalanche INC

Na Índia tudo é possível e o contrário também, gostam dizer os indianos aos estrangeiros. Parece que hoje tiveram razão novamente. Os primeiros resultados apontam para uma vantagem impressionante da UPA, isto é, a coligação governmantal do Congresso e seus aliados actualmente no poder.

As agências internacionais anunciam já uma vitória esmagadora, com mais de 250 lugares (muito perto da maioria absoluta de 271) para a UPA. Fala-se de Singh poder voltar a ser PM. Declara-se "derrota histórica" da oposição dos nacionalistas do BJP. Mas eu já vi muita coisa a acontecer na Índia, incluindo aquela surpresa de 2004 (cantava-se vitória do BJP, anunciava-se depois Sonia Gandhi como PM, e nada disso aconteceu).

Mesmo assim, tendo em conta o bom resultado provisório no Rajastão, eo facto de até Shashi Tharoor ter sido eleito em Trivandrum, aponta para um excelente resultado do Congresso.

Acompanhe os resultados oficiais aqui.

15.5.09

A voz da memória

A BBC tem três gerações de indianos a olhar para o seu país. Vale a pena ouvir a voz da memória de Jasjit Singh.

14.5.09

Exit-polls e afins

Finalizada a última fase das eleições, e aguardando-se os resultados neste Sábado, levantou-se o embargo imposto pelo Supremo à publicação das sondagens. Foram publicadas as várias exit polls, todas dando número simpáticos tanto para o INC (com uma ligeira vantagem) como o BJP (perto dos 200 deputados cada um).

Estas sondagens sugerem que ambos os partidos serão assim capazes de evitar a crescente fragmentação partidária e negociações de coligação governamental complexas. Ao contrário do que argumentei ontem no Público, num texto da autoria da Francisca Gorjão Henriques:
Congresso e BJP "são partidos com liderança fraca, fragmentados ideologicamente, que sofrem pressões externas [da esquerda, no caso do Congresso, e dos nacionalistas no BJP] e estão ambos em erosão acelerada", resume Constantino Xavier. A formação de partidos regionais, de castas ou linguísticos (há 22 línguas oficiais na Índia) está a aproveitar-se do declínio dos dois partidos nacionais. E de certa forma a sua existência é mais representativa da diversidade indiana. Mas tornam difícil prever o desfecho destas eleições. Fortalecidos nas urnas, terão de ser tidos em conta na hora de formar governo.
Mas vamos ao fundamental e mais uma vez convém colocar a Índia em perspectiva: se no nosso Portugalzinho de 10 milhões estas sondagens têm margens de erro consideráveis e falham mais do que acertam, imaginem na Índiazona de 1140 milhões.

Factos

25% of the 543 lower house elected MPs [Members of Parliament] had criminal cases pending against them in 2004. More than half of the cases were for serious offences including murder, rape and large-scale corruption.

Voto em branco / None of the above

Reflecte bem a forma arrogante com que as elites burocráticas indianas impõem a "sua" democracia às "massas selvagens": o voto em branco não existe nas eleições indianas. Nos aparelhos de voto electrónicos não existe botão para tal, pura e simplesmente. Aos eleitores indianos insatisfeitos com os candidatos (e não são poucos) resta a alternativa da abstenção, ou um processo complexo, moroso e público (requer um pedido formal à mesa de voto, preenchendo-se depois um requerimento) para um "no vote".

O interessante é que esta questão tem sido debatida de forma apaixonada por eleitores mais novos, que se procuram organizar para incluir uma opção equivalente ao voto em branco, mas com uma mensagem política explícita: "none of the above". Há mesmo um grupo no Facebook e uma petição:
In a great democracy, respect must be given to the opinion of each and every voter, and give due consideration to their thinking & feelings. Thus we the people of India demand a provision in the Electronic Voting machine, to cast a vote as "NO VOTE" i.e. "I(voter) would not like to vote for any of the above contestants."
É um debate interessante que espelha bem o descontentamento dos novos eleitores indianos, sendo que só nestas eleições 43 milhões votam pela primeira vez num país em que 60% das pessoas tem menos de 25 anos de idade.

Ram Sethu

Votou ontem o Tamil Nadu, na quinta e última fase. É um dos estados que mais deputados envia à Lok Sabha, a Câmara Baixa do parlamento indiano.

Ram Sethu é o nome dado à ponte mitológica que, segundo muitos hindus e várias organizações nacionalistas hindu próximas do BJP, foi construída pelo deus Rama com a ajuda do seu exército de macacos liderado por Hanuman. O facto de esta suposta ponte (nada mais do que um istmo rochoso) se encontrar agora ameaçada pela construção de um canal de navegação marítima tornou-se num dos debates políticos mais importantes na Índia, motivando inúmeras manifestações e protestos.

Construído por macacos ou não, a realidade é que a avaliar pela importância que a questão da guerra no Sri Lanka teve na campanha no Tamil Nadu, o Sul da Índia e o antigo Ceilão aparentam estar, de facto, unidos.

13.5.09

Mais próximo do fim

O titânico exercício democrático na Índia chegou hoje ao fim. Resta esperar pelos resultados, a serem anunciados dia 16. Uma sondagem da C-Voter publicada hoje prevê que a aliança chefiada pelo Congresso liderará novamente o país, mas sem conforto, elegendo entre 183 e 195 dos 543 assentos. Ou seja, os indianos deverão ter de contar com uma coligação frágil, tal como muitos analistas têm vindo a prognosticar. Isto, claro, se não houver supresas, como a de 2004, quando o Congresso desafiou as previsões e voltou ao poder.

War of the Websites

O Indian Express explora a campanha cibernética, comparando novas estratégias electrónicas do Congresso e BJP. O BJP foi o primeiro partido a iniciar a digitalização da campanha, em 1999, com o falecido Pramod Mahajan. Embora este tipo de campanha tenha crescente importância para cativar os novos eleitorados jovens, formados e urbanos, não deixa de ser marginal. Compreende-se assim também o relativo desinteresse do Congresso, mais concentrado em ganhar o voto dos que nem ligação à rede pública de água e electricidade têm. Excertos:

Congresso
With an extremely limited budget, we created an information-heavy, easily navigable site with light pages enabling quick loading and a very simple interface. Our studies had revealed that connectivity is still very slow in much of India and this kind of site would do better than a bells-and-whistles heavy site. ... In 2009 the BJP campaign seems to be Advani and the BJP Shining while the Congress campaign is for Aam Aadmi Ke Badhte Kadam. This is exactly replicated in the websites. Website do INC: http://www.aicc.org.in/new/

BJP
The Bharatiya Janata Party (BJP) takes great pride in the fact that way back in 1996 it became the first Indian political party to have its own website: www.bjp.org. In 2008, L.K. Advani became the first prime ministerial candidate to have his own personal website: www.lkadvani.in. Compare this with the fact that the Congress website was launched eight years later in 2004, and the fact that the top 3 Congress leaders do not have their personal websites, and you can clearly see why there is a generational gap in the appreciation of technology between the BJP and the Congress.

Os efeitos da fragmentação

O que é nacional é bom

Queixamo-nos muitas vezes em Portugal de que a política externa não é um factor preponderante nas campanhas e nos programas eleitorais dos partidos. Na Índia, essa negligência é ainda mais gritante: exceptuando algumas banalidades do BJP, INC e Comunistas, não há partido que apresenta uma agenda externa consolidada para o país. O enfoque é exlcusivamente doméstico, principalmente regional e local. No meio de tanta "matéria política", política externa é um non-issue nas eleições indianas, mesmo em "tempos interessantes" como os actuais. Este artigo do Economist regista este desinteresse eleitoral como alguma surpresa despropositada:
Despite the global economic crisis, a major foreign-policy shift towards the US, the Mumbai terrorist attacks and deteriorating relations with Pakistan, none of these issues has gained election prominence. As a result, political parties have focused their campaign efforts on highlighting their achievements in promoting local economic development.

12.5.09

Factos

1.1 million electronic voting machines are being used across the nation. In 1996, before the introduction of electronic voting machine, 8,000 metric tonnes of paper were used to print ballots

Votar, faça chuva ou sol

Shimla, May 10 (IANS): They have to trudge miles of rugged, cold and inhospitable Himalayan terrain before they cast their vote, sometimes spending a chilly night at the polling station. Yet voters in the tribal belt of Kinnaur in Himachal Pradesh have done so year after year with gusto.

É das minhas regiões preferidas na Índia: o distrito de Kinnaur, no estado de Himachal Pradexe (como o nome indica, nos Himalaias) nem é dos mais isolados na Índia, o vale sendo percorrido pela antiga Hindustan-Tibet Road, hoje uma pista poeirenta percorrida por colunas do Exército indiano, autocarros e motas Enfield de alguns aventureiros turistas. Mas esta reportagem da agência indiana IANS indica bem as dificuldades e os riscos que os eleitores de Kinnaur (maioritariamente hindus e/ou tribais) enfrentam para poderem exercer o seu direito de voto. Faça chuva ou faça sol, votar na Índia ainda é visto como um real privilégio.

Terceira Frente

Os rivais Modi (BJP) e Sibal (INC) de acordo com pelo menos uma coisa.

11.5.09

Factos

More than 800,000 polling stations have been set up for a five-phased vote over several weeks, watched over by 2.1 million security personnel

Grass-roots para inglês ler

The proliferation of independent candidates and dozens of new parties represents a grass-roots movement in which bankers, business leaders, socialites, artists and others sense increasing political opportunity in a country where power has often been wielded by dynasties.
Esta reportagem do Washington Post confunde algo fundamental. O "grass-roots movement" a que se refere na política indiana não é nada novo. É o já muito estudado democratic upsurge a que se assiste nos últimos anos, especialmente no Norte da Índia, com a mobilização dos intocáveis (ou dálitas) e outros grupos tradicionalmente desfavorecidos. O BSP de Mayawati é o caso mais conhecido.

Esta Mona Shah, no entanto, que surge como um exemplo neste artigo, é uma cirurgiã de classe média, se não alta, totalmente ocidentalizada, que não tem hipótese nenhuma de ganhar mais do que um punhado de votos naquele bairro em que faz campanha. O vídeo associado ao artigo é simbólico: ela fala em hindi, num bairro qualquer, mas ninguém lhe liga - estas pessoas já sabem em quem votam, ou seja, nos magnatas locais.

Depois, já em inglês e em frente à câmara ocidental, exprime-se com uma fluência e um à-vontade impressionante - articulando um discurso que pode ser interessante para correspondente e leitor norte-americano, mas totalmente desapropriado e desinteressante para nove em dez eleitores indianos. Talvez em Leicester, no Reino Unido, faria sentido, mas na Índia é um discurso marginal.

O que a jornalista do Washington Post procurou explorar é o novo activismo e interesse político das novas gerações de indianos. Mas o político está longe de ser sinónimo de partidário ou eleitoral e, por isso, a nova forma de pensar e fazer política na Índia está ainda longe de se traduzir em impacto partidário - veja-se os programas eleitorais e discursos dos principais partidos, por exemplo.

O futuro pertence à Índia

Na rivalidade sino-indiana, há quem preveja que "O futuro pertence à Índia". A democracia é o preço a pagar para o crescimento "à indiana".

10.5.09

Arquitectura eleitoral

Numa democracia em que cada círculo tem uma média de dois milhões de eleitores, num sistema uninominal ("first-past-the-post"), a questão da delimitação dos círculos é de uma importância vital. Há partidos que conseguem percentagens de voto acima dos 20% em certos estados sem, no entanto, elegerem um único deputado. É por isso que tem havido apelos frequentes para a reforma do sistema eleitoral, para um maioritário ou misto.

Durante 30 anos, entre 1971 e 2001, o processo de actualização do sistema foi congelado, de forma a privilegiar o Sul do país (com taxas de natalidade inferiores e, por isso, em risco de ver o seu peso eleitoral reduzido). Sobre esta temática fascinante, ver este artigo, ou este Q&A. Para uma perspectiva geral, ler Does India need a different electoral system?. Este guia geral do semanário India Today também se recomenda.

Destinos diferentes: políticos e eleitores

Novos tempos, mesmas vozes

Rahul já galgou 87,000 quilómetros e 110 comícios. Tem menos de 40 anos. Singh e Advani, os principais candidatos ao posto de PM, têm à volta dos 80 anos. Mesmo assim, continuamos sem ouvir uma única ideia interessante de Rahul Gandhi. Não é só ele. É todo a estrutura partidária do partido do Congresso, com mais de um século, que não está a acompanhar os tempos.
Watching Rahul Gandhi’s speeches gives you a couple of clues. There is a constant refrain on the theme “hamne apke liye yeh kiya...”, almost like a throwback to the ’70s. It fundamentally misunderstands how India has transformed. Voters, including the poorest of the poor, find this kind of language patronising. The real revolution that has come about because of the social churning over the last two decades is that voters are looking for instruments of empowerment, not palliative handouts from the state. The Congress still has not found a language to articulate this.