9.5.09

Quando Bollywood vai a votos


(Texto publicado hoje no Público)
Os actores de cinema indianos não são apenas
semideuses. Tornaram-se máquinas de atrair votos.
Os políticos usam-nos. E eles usam a política. Sempre que, como agora, há eleições legislativas, o mundo do glamour mistura-se com os partidos


Diz um ditado antigo indiano: "Quem não sabe nada de música, literatura ou arte é igual a uma besta, mas sem a cauda nem os dentes." Num país habituado a adorar milhões de deuses, os artistas, em particular os actores de cinema, são também divindades. E são cada vez mais usados, não para conseguir milagres, mas para captar votos.
Chiranjeevi desafiou o destino uma vez: vem de uma casta baixa, a kapu, e conseguiu ainda assim tornar-se num dos actores mais célebres de Tollywood, a indústria cinematográfica do Andhra Pradesh, falada em telugu. Por alguma razão é chamado simplesmente Megastar (e também O Imortal). Aos 53 anos, e ao fim de 149 filmes, quer uma nova ruptura: refazer a estrutura de poder no país, gerida há décadas pelos mesmos partidos e pelas mesmas famílias.
Decidiu criar o seu próprio partido em Agosto do ano passado, o Partido Praja Rajyam (que se diz socialista), e ao primeiro comício conseguiu reunir nada mais nada menos que um milhão de pessoas. Chiranjeevi quer ter agora votos suficientes para jogar numa coligação. "O Governo é autocentrado. Não tem amor nem afecto pelo povo. Eu tenho sempre os pobres em mente", afirmou. E soltou uma frase batida: "Podemos trazer mudanças."
Muitos dos seus seguidores esperam que ele lide com as adversidades da mesma forma que lida com os rivais nos seus filmes: derrubando impiedosamente todos os obstáculos para defender os mais desfavorecidos. "Chiranjeevi cria confiança nas pessoas", explicou à agência Jyoti Prasad um estudante de 22 anos. "Posso fazer o bem, é o que ele me faz pensar."
Imagens da BBC mostram-no em cima de um autocarro a dizer adeus a milhares de pessoas que se juntaram para o ver passar e que lhe lançam pétalas de flores amarelas e gritos histéricos de alegria. Chiranjeevi diz ao jornalista que quer diminuir o fosso entre ricos e pobres que cresce no país, e que é gritante no Andhra Pradesh, onde o centro tecnológico da Índia, Bangalore, está a um par de horas de distância da pobreza rural mais extrema.
A mensagem não é nova, ressalva o repórter, "mas agora há um novo herói em quem acreditar, alguém que já idolatravam antes".

O exemplo de Bachchan
"Os artistas e os actores desempenham um papel enorme na sociedade indiana", afirma ao P2 por e-mail o comentador político Suvrokamal Dutta. "São um modelo... num país onde a cultura e a arte ajudaram a moldar a sociedade."
Quando se entra no blogue de Amitabh Bachchan, uma das maiores celebridades de sempre do cinema indiano, aparece citada esta frase: "Ontem eu era esperto, por isso queria mudar o mundo. Hoje sou sensato, por isso mudo-me a mim próprio." Não sabemos o que ela terá de autobiográfico, mas sabemos que a sua actividade partidária a tempo inteiro pertence ao passado; a lenda de Bollywood não chegou a tornar-se um monstro político.
Mas a sua estreia foi triunfante. Nas primeiras legislativas a que concorreu, em 1984, Amitabh Bachchan conseguiu 68,2 por cento dos votos, derrubando de um só golpe o veterano e rival na corrida para o Parlamento Hemvati Nandan, antigo ministro chefe do Uttar Pradesh. Bachchan candidatou-se pela sua cidade natal, Allahbad, e ganhou o lugar de deputado, para se juntar ao seu amigo Rajiv Gandhi (filho de Indira Gandhi), que nesse ano se tornou primeiro-ministro.
A vida na Lok Sabha (câmara baixa do Parlamento) durou pouco. Ao fim de três anos e de acusações da sua implicação no escândalo de corrupção Bofors, que envolveu Rajiv Gandhi, o actor decidiu regressar aos ecrãs.
A sua passagem pela política deixava, no entanto, uma mensagem forte: as estrelas de cinema são potentes caçadoras de votos. E a partir daí todos os partidos tentam ter as suas durante as campanhas, quer a fazer comícios para arrastar multidões, quer a concorrer para conquistar um lugar no poder.
"Actualmente, os actores e os artistas são muito requisitados por todos os partidos políticos da Índia para dar colorido e grandiosidade aos seus comícios, uma vez que os actores têm um enorme valor de mercado entre os fãs", diz Suvrokamal Dutta. Isso, em contraste com a imagem que os eleitores têm de quem ocupa o poder: "A generalidade dos indianos estão muito desencantados com a política e com os políticos devido ao fraco desempenho e ao alto nível de corrupção na classe."

Ficar ao lado do povo
Conhecido como Shotgun, Shatrughan Sinha é também considerado o actor-político mais bem sucedido do país. Foi a primeira estrela de Bollywood a tornar-se ministro no Governo central (Saúde e Navegação). Ainda faz campanha para o Bharatiya Janata Party (BJP, partido nacionalista hindu), ao qual se juntou na década de 1980, quando tinha apenas dois deputados no Parlamento. Em 1998, o BJP estaria já a governar; e mesmo com a passagem para a oposição, Sinha não abandonou as suas fileiras, e desde há três anos dirige o Departamento de Artes e Cultura.
Sinha é crítico quanto à vantagem de um partido falar através de uma celebridade. "Os partidos acham que as estrelas trazem uma grande multidão, mas essas multidões não são sérias. Dão uma boa fotografia, mas não se traduzem em votos", cita o jornal britânico Sunday Times.
Apesar disso, as estrelas de cinema podem ainda desempenhar um papel importante na vida pública da Índia. Mas a fama tem de ser retribuída com medidas concretas. "Os actores... se querem ficar na política durante muito tempo, têm de fazer um bom trabalho e ficar ao lado do povo", disse ao jornal paquistanês Dawn.
A observação tem particular razão de ser. Suvrokamal Dutta diz que cada vez que há eleições legislativas - como é o caso destas que de 16 de Abril a 13 de Maio decorrem em cinco rondas no país -, o mundo do glamour mistura-se com os partidos. "[Mas] o registo de participação é patético até à náusea; não acho que seja uma mais-valia a longo prazo."
Num artigo escrito recentemente para o canal noticioso Saharasamay, Dutta apresenta vários exemplos de má performance, como o do actor Govinda, que em 2004 se candidatou pelo Congresso, venceu e durante toda a legislatura apenas fez uma interpelação no Parlamento; a sua assiduidade é "negligente". Este ano preparava-se para concorrer novamente, mas desistiu a meio da campanha.
"As únicas celebridades de Bollywood que estiveram bem na política foram o veterano Sunil Dutt do Congresso e Shatrughan Sinha do BJP. Mostraram pela política a mesma paixão que mostram nos seus filmes. Os outros são apenas peças de decoração."
Os políticos ganham votos com as estrelas. E as estrelas o que ganham com os políticos? No site oficial das eleições indianas (indian-elections.com) avança-se com uma possível resposta, num artigo intitulado Celebridades na política: um passo para a degeneração da política?. "Podem receber publicidade, poder e possivelmente benefícios nos impostos sobre os rendimentos, se o lado escolhido tiver sorte nas eleições." Também pode dar dinheiro. "Tem sido noticiado que algumas estrelas recebem cachets altíssimos pela sua comparência nos comícios."

A dança dos votos
As estrelas não vêm apenas do cinema. Vêm também do críquete, o desporto-rei na Índia. É o caso de Dalip Vensarkar, conhecido como Coronel; um mítico membro da equipa que em 1983 venceu o campeonato mundial. Está na reforma e nesta campanha dá a cara pelo Shiv Sena, de extrema-direita.
Este ano, há também um novo fenómeno, saído da dança. Mallika Sarabhai é uma bailarina clássica, conhecida internacionalmente. Desde 1984 que o Congresso lhe pede que se aliste no partido. Sempre recusou, mas agora decidiu concorrer ao Parlamento como independente pelo círculo de Gandhinagar (Gujarat). "Nunca pensei em concorrer como independente a umas eleições, porque sei que os candidatos independentes têm muito poucas hipóteses no nosso sistema político", contou à BBC. "Mas a minha voz interior disse-me que chegou a hora."
Para ser eleita terá de rivalizar nada mais nada menos do que com o líder do BJP, Lal Krishna Advani, candidato a primeiro-ministro. Terá também de esquecer o que Advani significa em gujarati: "não tocar". Muitos têm chamado a este duelo a versão indiana de David contra Golias.
Sarabhai, que se tornou na independente mais famosa do escrutínio e que está habituada a activismo político, aposta no contacto com a população. "Os outros candidatos acenam e vão-se embora. A nossa democracia só tem espaço para líderes, não para pessoas como vocês e eu", disse num comício. "Vim aqui como uma de vocês, como uma irmã."
Num estado com fortes tensões religiosas como o Gujarat, onde em 2002 mais de mil pessoas morreram em confrontos entre hindus e muçulmanos (espoletados com a ajuda do BJP), Sarabhai põe em destaque uma Índia secular e inclusiva.
"O silêncio da classe média da cidade face à violência tem sido espantoso. Ela está a tentar quebrar esse silêncio dando uma alternativa credível", afirmou ao Washington Post Shiv Viswanathan, cientista político do Dhirubhai Ambani Institute of Information and Communication Technology de Gandhinagar. "A sua luta tem muito simbolismo nesta cidade fracturada pela violência." Prefere substituir as referências a castas, religião e etnicidade linguística pela necessidade de afastar os políticos corruptos e ineficazes, avança o mesmo diário.
O BJP diz que ela não chega a poder ser considerada uma rival, classificando-a como "irrelevante" politicamente. "Os meus opositores dizem que eu devia voltar para a dança", comenta Sarabhai. E em jeito de resposta: "Durante demasiado tempo deixámos que os nossos políticos se deixassem levar pela corrupção e pelos que atiçam paixões religiosas."
Também há actores que se envolvem exclusivamente para convencer os indianos a irem às urnas. É o caso do actor-produtor Aamir Khan, que tem feito filmes a apelar à participação dos 714 milhões de eleitores indianos inscritos para votar. "Votem pela integridade, votem em pessoas boas", aconselha. "Os atentados terroristas de Bombaim a 26/11 [26 de Novembro] mudaram a Índia", disse numa entrevista ao Hindustan Times. "As pessoas ficaram mais sensibilizadas e esperam mais dos políticos. Por isso, acho necessário que escolham o tipo de candidato certo."
Aamir Khan garante que não está a dar voz "a nenhum partido em particular, ou a uma ideologia". "Só quero que as pessoas escolham bem." Da lista devem excluir, por exemplo, os que estão a responder a acusações criminais, diz. E não são poucos: quase um quinto dos 5500 candidatos.
Francisca Gorjão Henriques

8.5.09

Nano Casa

 Depois do Nano carro, vem a Nano casa, da Tata, claro está. Apenas 7800 dólares. "We have realized that there is an opportunity at the bottom of the pyramid", explicam na Time. Mas só agora é que deram por isso? Parece um bom negócio em qualquer parte do mundo.

Perdidos e achados


Há livros que são um achado. O "Maximum City: Bombay Lost and Found", do Suketu Mehta, foi um deles. É o submundo de Bombaim, a violência religiosa, o abuso policial, mas também o homem que puxa pela primeira vez um autoclismo numa casa-de-banho. Hoje, a Alexandra Lucas Coelho publica uma entrevista ao autor no P2. Um excerto:
Dois dias depois dos ataques bombistas a Bombaim, em Novembro, publicou um texto no New York Times a dizer: ok, estou a marcar voos, vou beber uma cerveja ao Leopold, vou ao Taj Hotel, vou ver um filme ao Metro [alguns dos lugares atacados]. Foi mesmo?
Estava a ponto de me meter num avião e ir, mas depois tive uma urgência pessoal para tratar. Vou em Julho. 
O que estava a dizer às pessoas era: por favor vão a Bombaim, essa é a forma de lidar com o que aconteceu.
Os ataques terroristas acontecem em grandes cidades, Londres, Madrid, Nova Iorque, Bombaim. Os atacantes de Bombaim vieram do Paquistão. Estou a ler transcrições dos interrogatórios e jornais paquistaneses que foram a casa destes jovens terroristas. Eles vieram de aldeias do Punjab e foram endoutrinados para agir. Basicamente estavam a atacar a própria ideia de Bombaim - aberta, multicultural, tolerante, uma metrópole moderna, de fazedores de dinheiro. Tudo aquilo que eles odeiam. 
Então, o meu ponto era: a forma de mostrar solidariedade não é bombardear o Paquistão, mas ir a Bombaim e vivermos a nossa vida. Porque o que eles querem é impedir-nos de fazer dinheiro, de dançar, de ver filmes, tudo o que alguém faz numa cidade. Mas o que aconteceu foi que Bombaim não deixou de trabalhar. Dois dias depois as pessoas recomeçaram a trabalhar. 
Outra coisa que eles queriam era que hindus e muçulmanos se matassem uns aos outros. Queriam começar uma guerra civil. E isso não aconteceu. Os líderes muçulmanos de Bombaim recusaram-se a enterrar os corpos dos terroristas, dizendo que não os reconheciam como muçulmanos, porque tinham morto mulheres e crianças, inocentes. 
Uma guerra civil não está portanto mais perto?
Não, não. Está muito longe. O que aconteceu depois dos ataques foi muito bonito. Agora há conflito com os migrantes, especialmente entre pessoas vindas do Norte da Índia e os maratas [naturais do estado de Maharashtra, cuja capital é Bombaim].
Em Maximum City escreve sobre os extremistas muçulmanos e hindus, e há uma tensão presente em todo o livro. As coisas ficaram mais calmas?
Na frente religiosa, sim. Os políticos precisam sempre de agitar um problema para conseguirem votos. Costumava ser: hindus versus muçulmanos. Isso já não acontece. As pessoas de Bombaim viram, com os ataques, que há uma identidade mais ampla, para além de hindu ou muçulmano. Mas ainda há políticos, como os do Shiv Sena [extremistas hindus, defensores de privilégios para os maratas] que precisam de lutar contra um inimigo. Hoje o inimigo são aqueles a quem chamam biharis, aqueles que vêm de estados pobres como o Bihar [junto ao Nepal]. 

7.5.09

Quando os deuses descem à terra

Há aldeias indianas que não vêem veículos motorizados durante meses. Vivem como que estagnadas na Idade Média, sem água, sem electricidade. E depois, de cinco em cinco anos ele chega das alturas, o gigantesco e brilhante pássaro, para distribuir um imenso barulho, uma brisa refrescante e muitos sorrisos. O helicóptero, o símbolo do poder político indiano.

India just has 60 odd choppers up for grabs, and they are all booked. Political parties are paying between Rs 40,000 to Rs 1.4 lakh for a single hour (ca. 800 a 2800 Euros).

Fase 4 - O factor Diskhit

In the fourth and penultimate phase of the 2009 Lok Sabha election, considered crucial for the ruling Congress party-led United Progressive Alliance coalition, an estimated 57% of electors turned up to vote in 85 constituencies across seven states and the national capital territory of Delhi.

E realizou-se hoje mais uma das cinco fases que marcam estas eleições, incluindo Nova Deli que não deverá fugir ao controle do Congresso, muito devido ao trabalho notável da Chief-Minister Sheila Diksht. Não há dúvida de que a capital indiana continua a sofrer de diversos problemas, incluindo um planeamento caótico, criminalidade em crescimento exponencial, problemas rodoviários e índices de poluição inéditos.

Mas é, ao mesmo tempo, das figuras políticas em que não só os delienses, mas também os indianos em geral, mais confiam. Os Commonwealth Games que se aviznham em 2011, bem como o Metro de Deli, o orgulho dos dilliwallahs (como são conhecidos os habitantes da capital), são as suas imagens de marca.

Não é propriamente jovem, e dada a sua população reduzida, Nova Deli não é um estado de peso no xadez político indiano, mas Dikshit tem tem ainda um futuro político considerável pela frente. Se tivesse menos dez ou quinze anos de idade, seria uma possível "prime-ministerial candidate".